O relógio marcava duas e meia da tarde. O céu estava relativamente limpo, ventava muito pouco. O ambiente era de uma calmaria altamente contrastante com o coração da jovem que andava por aqueles corredores solitários, com um par de rosas apertadas firmemente com a mão direita, enquanto a esquerda enxugava o início de lágrimas contidas, mastigadas, não digeridas. Estava sozinha. Sempre estava sozinha naquele lugar. Contudo, ela sempre tomava cuidado para silenciar a si mesma o máximo possível. Um pequeno misto de respeito e medo.
Quando os olhos deixavam de vislumbrar qualquer sinal de claridade, ela gostava de se retirar do mundo real dos adultos. Às vezes gostava de exilar-se. Em seu pesadelo de Édipo, vazava os próprios olhos, e então se auto-expulsava de onde quer que estivesse, como para salvar-se. A diferença é que então ela reinava. Sobre ninguém, nem sobre ela. Talvez nem reinasse tanto assim, pensou. Mas pelo menos não havia ninguém que a torturasse pelos seus escritos ou seus desesperos, suas consequências e suas causas, seus inícios e seus fins.
Parou de divagar, e concentrou-se na tarefa de encontrar o pedaço de concreto que emprestava daquela velha conhecida desde que a desgraça acontecera. Desde o ocorrido, pelo menos uma vez por semana vinha visitar sua companheira. Ela nunca reclamava de a garota usar seus aposentos. Sorriu ao encontrar o lugar procurado, misturando o brilho dos dentes muito brancos com o reflexo da luz do sol nas lágrimas finas, que engrossavam conforme via a imagem de sua melhor amiga, sorrindo para ela. Estava sempre sorrindo. Era a única que continuava sempre sorrindo.
“Trouxe isso para você hoje. Não encontrei as brancas, suas favoritas, mas sei que você considera mais a intenção. Espero que goste mesmo assim. Hum... Veja só: trouxe os cookies de chocolate que você adora. Trouxe um pacote apenas, porque o resto do dinheiro eu usei para comprar as flores. É... Quê? Pare. Pare de me olhar com essa cara e esse sorriso que agora parece irônico! Você sabe que eu... Já disse para parar!” Riu baixinho. “Está bem, está bem. Eu não consigo mentir para você, mesmo. Comprei um pacote só para nós duas, porque as flores eu roubei do seu jardim de casa. Estou cuidando dele para você. Sei que você não costuma receber presentes que pertencem a você mesma, mas... Você considera mais a intenção, certo? Considerarei este silêncio como um sim”.
Cantarolou baixinho então uma canção que ouvia quando era apenas uma menina. Tirou da mochila uma foto que mostrava um berço, uma criança gorda exibindo um sorriso farto, e uma mulher que segurava um violão, aparentemente cantando uma dessas músicas de ninar. Talvez aquela que a jovem estava cantando agora. A foto a fez pensar em como as coisas são efêmeras. Desejou por um instante que todo o resto do mundo fosse como uma fotografia. Fotografias podem parecer sem graça, ridiculamente estáticas. Mas isso pode ser um engano. Poucos são os que podem escutar o que as fotografias têm a dizer, e notar todo o movimento contido nelas. Fotografias são estáveis. Passasse o tempo que fosse, o berço nunca sairia dali, a criança dentro dele jamais deixaria de sorrir, as cordas do violão não estourariam, e a mulher sempre cantaria sem nunca ficar rouca. As fotos quase sempre eram felizes, além de tudo. Ter o mundo como uma fotografia seria como eternizar a alegria. No fundo, a garota sempre desejara que seu mundo fosse um álbum de fotografias tiradas por ela mesma, montado a seu gosto. Sabia que aquele pensamento era infantil, irreal, beirando o fútil. Mas ainda assim a tranquilizava. Uma falsa estabilidade anestésica. Uma droga que ela sabia fazer mal, mas tomava para continuar seguindo, ou dormir.
A voz que começara a canção de forma doce terminou pesada. Ela se levantou, por fim, olhando de novo para a foto. Escondeu atrás do pedaço de concreto uma cartinha que escrevera antes de adentrar o portão enferrujado da nova eterna casa de sua amiga. “Você continua rindo aí. Convenceu-me a voltar amanhã. Prometo tentar. Vou deixar essas últimas bolachinhas para você, pode ser?”. Abaixou-se e colocou o pacote entre as duas rosas. Desistiu de conter o pranto, e sentiu-se abraçada pela sua amiga mais ausentemente presente.
Ao longe, o velho que tomava conta dos lares dos adormecidos via com curiosidade uma garota exteriorizando um choro nostálgico. Era um homem cheio de histórias para contar, até pelo lugar onde trabalhava. Mas era a primeira vez que via uma jovem como aquela abraçando a si própria, aparentemente confortável com a companhia da dama de lábios frios. Quando deu por si, o homem também chorava. Emocionou-se.
“Sinto tanto a sua falta, mamãe...”, disseram os dois desconhecidos, simultaneamente, a muitos metros de distância um do outro.
Quando os olhos deixavam de vislumbrar qualquer sinal de claridade, ela gostava de se retirar do mundo real dos adultos. Às vezes gostava de exilar-se. Em seu pesadelo de Édipo, vazava os próprios olhos, e então se auto-expulsava de onde quer que estivesse, como para salvar-se. A diferença é que então ela reinava. Sobre ninguém, nem sobre ela. Talvez nem reinasse tanto assim, pensou. Mas pelo menos não havia ninguém que a torturasse pelos seus escritos ou seus desesperos, suas consequências e suas causas, seus inícios e seus fins.
Parou de divagar, e concentrou-se na tarefa de encontrar o pedaço de concreto que emprestava daquela velha conhecida desde que a desgraça acontecera. Desde o ocorrido, pelo menos uma vez por semana vinha visitar sua companheira. Ela nunca reclamava de a garota usar seus aposentos. Sorriu ao encontrar o lugar procurado, misturando o brilho dos dentes muito brancos com o reflexo da luz do sol nas lágrimas finas, que engrossavam conforme via a imagem de sua melhor amiga, sorrindo para ela. Estava sempre sorrindo. Era a única que continuava sempre sorrindo.
“Trouxe isso para você hoje. Não encontrei as brancas, suas favoritas, mas sei que você considera mais a intenção. Espero que goste mesmo assim. Hum... Veja só: trouxe os cookies de chocolate que você adora. Trouxe um pacote apenas, porque o resto do dinheiro eu usei para comprar as flores. É... Quê? Pare. Pare de me olhar com essa cara e esse sorriso que agora parece irônico! Você sabe que eu... Já disse para parar!” Riu baixinho. “Está bem, está bem. Eu não consigo mentir para você, mesmo. Comprei um pacote só para nós duas, porque as flores eu roubei do seu jardim de casa. Estou cuidando dele para você. Sei que você não costuma receber presentes que pertencem a você mesma, mas... Você considera mais a intenção, certo? Considerarei este silêncio como um sim”.
Cantarolou baixinho então uma canção que ouvia quando era apenas uma menina. Tirou da mochila uma foto que mostrava um berço, uma criança gorda exibindo um sorriso farto, e uma mulher que segurava um violão, aparentemente cantando uma dessas músicas de ninar. Talvez aquela que a jovem estava cantando agora. A foto a fez pensar em como as coisas são efêmeras. Desejou por um instante que todo o resto do mundo fosse como uma fotografia. Fotografias podem parecer sem graça, ridiculamente estáticas. Mas isso pode ser um engano. Poucos são os que podem escutar o que as fotografias têm a dizer, e notar todo o movimento contido nelas. Fotografias são estáveis. Passasse o tempo que fosse, o berço nunca sairia dali, a criança dentro dele jamais deixaria de sorrir, as cordas do violão não estourariam, e a mulher sempre cantaria sem nunca ficar rouca. As fotos quase sempre eram felizes, além de tudo. Ter o mundo como uma fotografia seria como eternizar a alegria. No fundo, a garota sempre desejara que seu mundo fosse um álbum de fotografias tiradas por ela mesma, montado a seu gosto. Sabia que aquele pensamento era infantil, irreal, beirando o fútil. Mas ainda assim a tranquilizava. Uma falsa estabilidade anestésica. Uma droga que ela sabia fazer mal, mas tomava para continuar seguindo, ou dormir.
A voz que começara a canção de forma doce terminou pesada. Ela se levantou, por fim, olhando de novo para a foto. Escondeu atrás do pedaço de concreto uma cartinha que escrevera antes de adentrar o portão enferrujado da nova eterna casa de sua amiga. “Você continua rindo aí. Convenceu-me a voltar amanhã. Prometo tentar. Vou deixar essas últimas bolachinhas para você, pode ser?”. Abaixou-se e colocou o pacote entre as duas rosas. Desistiu de conter o pranto, e sentiu-se abraçada pela sua amiga mais ausentemente presente.
Ao longe, o velho que tomava conta dos lares dos adormecidos via com curiosidade uma garota exteriorizando um choro nostálgico. Era um homem cheio de histórias para contar, até pelo lugar onde trabalhava. Mas era a primeira vez que via uma jovem como aquela abraçando a si própria, aparentemente confortável com a companhia da dama de lábios frios. Quando deu por si, o homem também chorava. Emocionou-se.
“Sinto tanto a sua falta, mamãe...”, disseram os dois desconhecidos, simultaneamente, a muitos metros de distância um do outro.
.Por Gustavo Marin.